A estimativa modesta aponta em R$ 12 bilhões o valor de impostos que poderiam ser aplicados para solucionar um dos principais problemas do país: o gargalo logístico. O dinheiro seria facilmente acessado pelo governo federal caso houvesse fiscalização de uma prática proibida por lei, mas amplamente adotada na movimentação do transporte de cargas no Brasil: a carta-frete.
Proibida pela lei 12.249/10, a carta-frete, embora ilegal, continua em vigência em grande parte das estradas brasileiras e cerca de um milhão de caminhoneiros autônomos recebe por seu serviço desta forma. Funciona assim: o embarcador ou a transportadora entrega ao caminhoneiro como “pagamento” pelo carreto um pedaço de papel chamado carta-frete. De posse do documento, ele precisa trocá-lo em postos de gasolina, previamente selecionados pelos contratantes do frete, por combustível, alimentação e hospedagem durante sua viagem.
A cada troca, ele tem deixar cerca de 30% do valor gasto nestes estabelecimentos. Ao chegar ao seu destino final, o caminhoneiro apresenta o “saldo da fatura” à transportadora ou embarcador e só nesse momento tem acesso à remuneração pelo serviço prestado.
Pesquisa da consultoria Deloitte estimou que cerca de R$ 60 bilhões em frete transitavam na informalidade em 2010
A prática tem sido utilizada para aumentar o “capital de giro” do contratante e toda vez que aceita um frete, o carreteiro não sabe ao certo quanto receberá no fim da viagem, já que ao logo dela vai sendo submetido a taxas de troca a cada parada e compra que realiza.
Para o jurista Modesto Carvalhosa, a prática é apontada como regime análogo à escravidão, visto que o caminhoneiro ao receber via carta-frete não tem liberdade para consumir e gastar seu dinheiro aonde bem entenda e ainda precisa pagar ágios abusivos.
O esquema conta com a anuência de transportadoras, embarcadoras e postos de gasolina, e como resulta num círculo vicioso perverso de criminalidade, sonegação e ilegalidade, está sendo investigado pela Polícia Federal (IPL 0930/2012-4/SR/ DPF/DF).
A lei que extinguiu a carta-frete prevê que o pagamento aos caminhoneiros seja feito por meio de cartão-frete ou pelo depósito bancário, de modo que Ministério dos Transportes, a Agência Nacional de Transporte Terrestre (ANTT) e a Receita Federal sejam informadas sobre destino, origem, valor e tipo de cargas transportadas, reduzindo drasticamente a sonegação de impostos.
Uma pesquisa da consultoria Deloitte estimou que em 2010 cerca de R$ 60 bilhões em frete transitavam na informalidade. No mesmo período, o IBGE apontou a movimentação de frete na ordem de R$ 16 bilhões por ano; diferença de R$ 44 bilhões que o governo não acessa e não vê. Daí a projeção de arrecadação de impostos de cerca de R$ 12 bilhões, em razão da sonegação promovida pela modalidade ilegal.
Para se ter uma ideia, com o valor sonegado, seria possível construir um trem-bala a cada 4 anos.
O jurista Ives Gandra Martins diz que a carta-frete enseja prática de caixa 2, sonegação de encargos sociais e impostos; promove concorrência desleal; e fere o ordenamento jurídico do país, pois trata-se de moeda paralela.
Os impactos da ilegalidade atingem toda a cadeia produtiva e têm conseqüências econômicas e sociais. Sem planejamento financeiro e com margens reduzidas, o caminhoneiro não faz a manutenção necessária em seu veículo, que passa a circular com peças antigas e problemas diversos, colocando em risco a sua vida e de milhares de outras pessoas que circulam pelas estradas do país, além de deixar de contribuir para o crescimento do setor autopeças.
Como também não tem comprovação de renda, o caminhoneiro não pode recorrer a empréstimos para trocar seu caminhão e isso explica porque a frota brasileira é uma das mais antigas do mundo, com idade media de 21 anos, segundo dados da ANTT.
Neste cenário, não é de se estranhar que o caminhoneiro seja o profissional que mais morra em atividade, segundo dados do Ministério do Trabalho, atingindo a marca de 8 mil vítimas fatais por ano. Tamanha mortandade também explica porque hoje faltam mais de 100 mil motoristas de caminhão no Brasil, segundo levantamento da Associação Nacional do Transporte de Carga e Logística (NTC & Logística).
O modal rodoviário responde por 60% da movimentação de cargas no Brasil e o agronegócio foi responsável por um terço do PIB brasileiro em 2013, como é sabido. Com estradas mal conservadas e operando no limite de sua capacidade, esse grande foco de negócio brasileiro também é impactado pela manutenção da carta-frete. Além das mortes, veículos antigos e mal conservados implicam perda de mercadorias, aumentando prejuízos e consequentemente custos.
Como os cofres públicos urgem de reforço de caixa, é pouco compreensível a razão pela qual o governo não aperte o cerco contra a prática e não acesse o valor disponível para investimentos em infraestrutura, um obstáculo para o crescimento.
No momento em que o Congresso Nacional está terminando a votação da lei 12.619/12, conhecida com lei do descanso dos caminhoneiros, que irá orientar o tempo de parada necessário para que carreteiros possam trabalhar com segurança, urge que a outra legislação em vigor há tanto tempo seja cumprida.
Alfredo Peres é presidente da Associação dos Meios de Pagamento Eletrônico de Frete (Ampef).
Fonte: Sindipesa
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